Justiça suspende acolhimentos em centro que abriga crianças e adolescentes em Ribeirão Preto
02/06/2025
(Foto: Reprodução) Decisão ocorre após ação civil movida pela Defensoria e MP, que apontam uma série de irregularidades no serviço da prefeitura para pessoas em situação de vulnerabilidade. Espaço para acolhimento no Saica em Ribeirão Preto, SP, com paredes sujas e móveis velhos
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A Vara da Infância e Juventude de Ribeirão Preto (SP) suspendeu novos acolhimentos por parte do Serviço de Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes (Saica). A decisão ocorre a partir da ação civil movida pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público contra a prefeitura.
Além da suspensão, a Justiça também determinou a contratação emergencial de educadores e regularização de condições estruturais e operacionais no local.
Entre os problemas denunciados na ação estão indisponibilidade de profissionais para acompanhar crianças no médico ou nos contraturnos escolares, bebês internados com bronquiolite reiteradas vezes, casos de violência física e de abuso sexual entre internos (veja abaixo detalhes).
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▶️ Na liminar, o juiz Paulo Cesar Gentile proibiu novos acolhimentos pelos próximos 15 dias, com exceção a situações de "extrema necessidade e urgência", mediante determinação do Conselho Tutelar.
▶️ A decisão também obriga, em prazo de até dez dias, a regularização dos deslocamentos das crianças e adolescentes para a escola, adoção de serviços de saúde e atividades de contraturno.
▶️ Outra medida determina, em cinco dias, a elaboração de um plano de trabalho para que chegue ao fim a atuação de servidores de outras secretarias no Saica, além de definir uma assistente social para o local nos períodos matutino e vespertino.
▶️ Por fim, o município deverá contratar cinco educadores até 30 de julho de 2025, mais cinco até 30 de setembro e outros cinco até 30 de novembro de 2025.
"De acordo com a liminar, o não cumprimento das determinações previstas poderá ensejar a interdição do Saica", disse a Defensoria.
O g1 tenta posicionamento da prefeitura nesta segunda-feira (2).
Ações e registro vencido
Desde 2022, as autoridades já ajuizaram quatro ações ao apontarem irregularidades e incidentes graves no local destinado a acolher crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade por terem sido afastadas do convívio familiar.
Desde abril deste ano, o espaço, localizado no Ribeirão Verde, funciona sem ter conseguido a renovação do registro no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA).
"A gente poderia listar aqui praticamente o Estatuto da Criança e do Adolescente inteiro em termos de violação porque nós temos a violação ao direito à educação, temos violação ao direito à saúde, ao direito à convivência familiar e sanitária. Temos violação ao direito ao lazer. Temos violação ao direito à profissionalização, à dignidade sexual, integridade física, integridade psicológica. (...) Além de tudo, estar sem o registro significa nesse momento estar atuando fora do que determina a própria lei em relação a requisitos mínimos de atendimento", afirma o defensor público Bruno César da Silva, um dos autores da ação.
Procurada na semana passada, a Secretaria Municipal de Assistência Social informou não ter sido notificada sobre a ação e garantiu que, na atual gestão, tem acompanhado rigorosamente o serviço e disse que melhorias serão anunciadas em breve.
"A Secretaria da Assistência Social mantém diálogo ativo com o Ministério Público, articulando ações concretas e estratégicas para melhorar as condições do serviço."
Paredes sujas, beliches e guarda-roupa sem portas no SAICA em Ribeirão Preto, SP
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O que é o serviço de acolhimento?
O Saica é um serviço de acolhimento municipal previsto pela legislação brasileira como o local para garantir temporariamente o atendimento de crianças e adolescentes que, por algum motivo, foram afastados do convívio familiar e não têm para onde ir.
Em outras palavras, é o local onde esses jovens, de até 18 anos, permanecem até que se defina um novo encaminhamento para a família ou para a adoção por meio de um plano individual de atendimento (PIA).
"É uma criança que foi encontrada na rua sozinha, ninguém sabe quem é o pai ou a mãe e tem que arranjar algum lugar para esperar. Ela vai esperar no serviço de acolhimento até a Justiça definir a situação dela. Ou chegou a notícia de uma criança que está sofrendo maus-tratos dos pais. Ela precisa ser retirada dos pais. Ela vai ser retirada e vai ser colocada em um acolhimento", exemplifica o defensor.
Ribeirão Preto tem duas unidades, uma com capacidade para dez pessoas e outra com capacidade para 48 pessoas, mas que chegou a atender mais de 80 e que é alvo das denúncias, segundo a Defensoria Pública.
"São crianças que já são vítimas de negligência, violência no âmbito doméstico. São retiradas pelo Estado exatamente para serem protegidas e infelizmente o que tem acontecido é que no espaço onde elas deveriam estar sendo protegidas, elas tão tendo direitos violados novamente."
Porta e tampa de vaso sanitário quebrados no Saica em Ribeirão Preto, SP
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Superlotação e falta de profissionais
A não renovação do registro, segundo as autoridades, é reflexo de uma série de problemas que a instituição vem apresentando ao menos desde 2022. O principal deles é a superlotação do espaço e um número de profissionais abaixo do recomendado.
Brinquedos quebrados, mato alto e superlotação são alguns dos problemas encontrados no SAICA em Ribeirão Preto, SP
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O Saica foi projetado para acolher 48 crianças e adolescentes, mas já chegou a receber mais de 80, de acordo com a Defensoria. Em maio, estava atendendo 71 pessoas.
Com esse número, por exemplo, na ação, os denunciantes também alegam que, com base no que é definido pela resolução 130,2005 do Conselho Nacional De Assistência Social (CNAS), o local deveria ter ao menos três 3 coordenadores, 6 profissionais para atendimento, 10 educadores por turno, 10 auxiliares de educadores por turno, mas o número não chega a um terço do recomendado, segundo a Defensoria.
Casos de violência entre os internos
É dessa superlotação que ocorrem outros problemas, entre eles episódios de violência física e de abuso sexual entre internos, justamente por falta de supervisão. Um desses casos é de uma menina que chegou a ser esfaqueada por um colega da mesma idade. A Defensoria não dá detalhes do caso, em segredo de Justiça, mas confirma que a vítima não teve ferimentos graves.
"São situações que aconteceram dentro do serviço entre criança e adolescente e, é, por conta das das questões principalmente envolvendo saúde mental, que muitas vezes falta esse acompanhamento mais próximo. Não tem a equipe de referência, não tem a equipe próxima, são poucos funcionários para atender muita gente, faz com que essas situações cheguem a esses pontos mais críticos."
A Defensoria também menciona episódios de abuso sexual que vitimaram dois meninos, uma criança e um adolescente. Esses casos já foram alvos de uma ação civil pública que, recentemente, conseguiu a aprovação dos depoimentos como provas para futuras ações de reparação.
"Não houve situação de violência sexual exposta em relação a funcionários e crianças e adolescentes, é uma questão entre internos. Essa foi uma uma denúncia que chegou pra gente em 2023, foi acompanhada ao longo de 2024 e é uma prova que já foi homologada em juízo agora em abril desse ano."
Saídas bloqueadas de salas que viraram depósitos e falta de extintores de incêndio no Saica em Ribeirão Preto, SP
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Falta de acompanhamento escolar e bebês doentes
O serviço de acolhimento não apenas serve para dar abrigo provisório a crianças e adolescentes, mas também para garantir que esses internos continuem a frequentar a escola e o atendimento médico como se estivessem em casa, com suas famílias.
Mas, por insuficiência de profissionais, de acordo com a ação, não é isso que acontece com quem vive no Saica.
Uma das irregularidades apontadas pela Defensoria é que muitos dos estudantes não conseguem frequentar os horários de contraturno escolar, com atividades extras, ou mesmo consultas médicas.
Outra situação que os autores da ação associam à falta de cuidado é uma crise de bronquiolite que afetou crianças que estavam sob os cuidados da instituição. Uma delas precisou ser internada mais de uma vez.
"Chegamos a ter criança com com com reiteradas internações. A gente tem notícia de mais de quatro de uma única criança, um bebê de sete meses."
Camas de crianças e adolescentes sem colchões em quarto com paredes sujas no Saica em Ribeirão Preto, SP
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Nas vistorias realizadas, os representantes do MP e da Defensoria também encontraram:
remédios vencidos;
armazenamento irregular de extintores;
vasos sanitários com tampas quebradas nos banheiros;
espaço insuficiente nos quartos para armazenar roupas e pertencentes dos abrigados
armários sem portas;
colchões avulsos, que indicam que nem todas as crianças dormem em camas.
Que providências a Prefeitura tomou com relação ao local?
Segundo a Defensoria Pública, antes do ajuizamento da ação mais recente, várias reuniões foram realizadas com representantes da Prefeitura, que se prontificou em tomar providências, mas não deu prazo.
"Ela informa que vai vai tomar eventuais providências, mas nós não sabemos nem quando nem quais providências seriam eventualmente essas exatamente."
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